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quarta-feira, 3 de março de 2010

Sonhando com o retorno ao lar


Por:Soraya Misleh*

Em visita a um grupo de refugiados palestinos que vieram do Iraque nos últimos meses de 2007, recém-chegados ao Brasil após permanecerem quase cinco anos morando em tendas no meio do deserto, a expressão árabe “Sanaud” (“Nós voltaremos”) revelou a esperança, o sonho. Mais de dezoito meses se passaram desde então e o direito ao retorno ao seu pedaço de chão, reivindicado há décadas, continua a ser negado. O grupo em questão inclui vários palestinos expulsos de sua terra natal há 61 anos e outros tantos descendentes desses. Não chega a 2% do número desses refugiados no mundo: são 117 homens, mulheres e crianças, de diversas idades, que deixaram o campo de Ruweished na fronteira da Jordânia rumo ao Brasil e engrossam a estatística de 8 milhões de deslocados em função da ocupação sionista iniciada ainda antes de 1948 – quando foi fundado o Estado de Israel, em 15 de maio, mediante a expulsão de 800 mil árabes de suas casas. Para os palestinos, começava a nakba (catástrofe), uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo, ainda sem reparação.
No mesmo ano, em 11 de dezembro, foi reconhecido pela Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), através da Resolução 194, o direito ao retorno dos palestinos e restituição de suas propriedades. Esse direito elementar – presente no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ironicamente aprovada em 1948 – vem desde então sendo reiterado pela comunidade internacional de tempos em tempos. Já o foi pelo menos 130 vezes pela ONU.

Não obstante, continua a produção desses excluídos, que compõem a maior e mais antiga população deslocada do globo. No recente massacre perpetrado pelo exército de Israel em Gaza, um gueto em que se amontoam em pouco mais de 300km2 1,5 milhão de palestinos – a esmagadora maioria deslocada de suas aldeias destruídas em 1948 ou descendente dos que se tornaram sem lugar de um dia para o outro –, nova leva engrossou as estatísticas. Conforme informou o palestino Jamal Juma, ativista da ONG Stop the Wall, durante conversa com jornalistas no Fórum Social Mundial 2009, como resultado das três semanas de intensos ataques entre dezembro de 2009 e janeiro deste ano, naquela pequena faixa foram destruídas 44 mil casas e “serão necessários 20 anos para a reconstrução”. Ele concluiu: “Setenta mil famílias viverão em barracas por pelo menos dez anos.” Segundo divulga a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos, a UNRWA (The United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East), em Gaza encontram-se oito dos seus 58 campos de refugiados oficiais, em que se reúnem cerca de 495 mil de 1,3 milhão registrados morando nessas condições na região (incluindo Cisjordânia, Jordânia, Síria e Líbano).

Dos 8 milhões espalhados pelo mundo, aproximadamente 4,6 milhões estão inscritos nesse órgão. Contribui para a manutenção e elevação dessa trágica estatística a estratégia deliberada de tornar a vida dos palestinos insustentável, para que abandonem suas casas. Dentro dessa lógica, são submetidos diariamente a punições, humilhações e privações.

Expulsão e negação
Os refugiados são resultado do conjunto de iniciativas sionistas para esvaziar o território e expandir a ocupação. Um deles vivia em Cacún, uma pequena aldeia palestina de 2 mil habitantes próxima de Tulkarm (na Cisjordânia). Esta foi uma das 500 vilas destruídas em 1948, cujas famílias foram forçadas a deixar suas casas às pressas. Aos 13 anos, ele viu sua casa, a terra, as árvores, tudo sumir diante de tratores impiedosos. Vivendo no Brasil desde 1956, aos 74 anos ele sonha com a Palestina cheia de poesia e beleza de sua infância. Aquela que a ocupação sionista, com seus muros cinzentos de concreto e postos de controle, esconde e tenta apagar, sem sucesso, da memória coletiva.

A negação do direito legítimo ao retorno por parte de Israel talvez tenha a ver com essa busca, uma vez que não há argumento plausível para essa recusa. Em artigo de sua autoria intitulado “Os últimos dos excluídos” (Revista Caros Amigos, especial Oriente Médio, maio de 2009), a historiadora Arlene Clemesha destaca que “grande parte das terras das aldeias esvaziadas em 1947-49 continua vazia”. É o caso de Cacún, hoje um “parque ecológico”, onde estão as raízes desse senhor de 74 anos: meu pai. E de sua família.

Soraya Misleh* jornalista, diretora de imprensa do Instituto da Cultura Árabe e secretária de comunicação do Movimento Palestina para Tod@s

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